Tradução: “S03E03: The Gothowitz Deviation (A Deviação Gothowitz)”

No episódio desta noite de The Big Bang Theory, os roteiristas ousaram ir a um lugar que a maioria dos físicos não ousaria, aos alicerces filosóficos da mecânica quântica. Quando Penny pede a Sheldon que dance com ela, ele responde:

 

Sheldon: “Penny, apesar de eu ser um adepto da teoria dos muitos-mundos, que postula a existência de um infinito número de Sheldons em um infinito número de universos, eu lhe asseguro que em nenhum deles estou dançando.”

 

 

Para encarar a descrição da Teoria dos Muitos-Mundos da mecânica quântica (mais comumente chamada de “Interpretação” do que de “Teoria”), faz-se necessário que, primeiramente, adentremos a própria mecânica quântica.

Antes de os físicos notarem a necessidade da mecânica quântica, sua visão do mundo era a de que o resultado de qualquer evento poderia ser completamente determinado – posto que tivessem as medidas precisas com antecedência. Se você soltasse uma pétala de rosa em meio a um furacão, só precisaria saber as posições e velocidades de todas as moléculas de ar em um dado momento para que pudesse calcular a localização final da pétala de rosa com certeza. (OK, você também precisaria saber tudo a respeito de todos os pássaros e pedaços de telha voando). Em termos práticos, você nunca seria realmente capaz de fazer uma coisa dessas, entretanto, ao menos em princípio, teria sido possível.

Essa visão mudou para sempre com a descoberta da mecânica quântica na década de 20 e seus testes experimentais nas décadas seguintes. O resultado de muitas situações não pode ser predito com certeza. Consideremos o carbono-11, por exemplo, um átomo radioativo usado em exames imagiológicos capazes de salvar vidas, realizados por máquinas de tomografia por emissão de prótons (PET scanners).   A “meia-vida” desse átomo de carbono é de 2 minutos, o que significa que metade dos átomos de carbono-11 que você possuir em um determinado instante irão decair e desaparecer em 2 minutos. Mas e se você tivesse somente um átomo de carbono-11? Nenhum físico será capaz de dizer quando este átomo decairá com certeza. O melhor que ele poderá dizer será que há uma chance de 50% de ele ainda existir daqui a dois minutos; uma chance de 25% de ainda existir daqui a 4 minutos; e uma chance em um bilhão de ainda existir daqui a uma hora. Saber com exatidão o destino de qualquer átomo não é uma questão de poder ver com clareza o que ocorre dentro do átomo. Não há maneira alguma de saber.

Esta descrição fundamentalmente probabilística da natureza incomodava alguns cientistas. Até Albert Einstein fez uma famosa contestação a isso: “Estou convencido de que Ele [Deus] não joga dados.”. Por mais convencido que estivesse e brilhante que fosse, os experimentos superam o gênio. Experimentos inteligentes mostraram que não há vez para aquilo do que Einstein tinha certeza: variáveis determinantes secretas que precedem as leis probabilísticas da mecânica quântica.

Questões filosóficas vêm à tona quando colocamos o átomo em uma caixa por, digamos, 2 minutos e não deixamos que ninguém verifique a caixa. Neste ínterim, a condição do átomo ainda pode afetar outras medidas, então as descrições do átomo durante este período são tanto importantes quanto abertas a interpretação. Os fundadores da mecânica quântica, trabalhando predominantemente em Copenhagen, acreditavam que o melhor modo de se ver a situação era a de que o átomo estava, simultaneamente, num estado de decaimento e não-decaimento. Eles afirmaram que apenas depois que um observador olhasse dentro da caixa, o átomo seria forçado a permanecer em um dos dois estados. Na Interpretação de Copenhagen, o ato da observação modifica o universo. Esta é a instrução recebida pelos físicos como eu, quando ainda estão na faculdade.

A Interpretação de Copenhagen levanta perguntas difíceis, talvez até mesmo irrespondíveis: qual é o tamanho mínimo que um observador deve ter para ser considerado um observador? Se o átomo bater em algum outro átomo que detecte sua presença, seria este outro átomo um observador? Seria um detector grande e complicado um observador válido? O observador deve possuir consciência? Deve ser uma consciência humana, ou será que poderia ser a de um gato? Um outro observador que desconheça o resultado possui uma “realidade” diferente? A resposta mais provável a tais perguntas é: “Cale a boca e faça os cálculos!”.

As coisas permaneceram da mesma maneira por décadas. Uma alternativa, a dita “Interpretação dos Muitos-Mundos”, emergiu da tese de doutorado de Hugh Everett em Princeton, no ano de 1957. Everett nunca batizou sua interpretação com o nome de “Muitos-Mundos”, originalmente ele havia chamado seu trabalho de “Mecânica de Ondas sem Probabilidade” (“mecânica de ondas” significava “mecânica quântica”). Posteriormente, ele mudou o título para algo mais hermético a fim de agradar sua banca de doutorado.

Na interpretação de Everett, as probabilidades eram apenas uma consequência, e não uma parte elemental da teoria. Não apenas o estado do átomo é descrito pelas equações da mecânica quântica, também o são todos os detectores e observadores do mundo. Quando um objeto e um observador se encontram, os dois afetam um o outro em conformidade com as regras usuais da mecânica quântica. Não ocorre processo novo algum no momento da observação. É óbvio que quando um experimentalista observa um átomo, ele o percebe ou não num estado de decaimento; mas o experimentador agora se torna parte de um sistema junto ao átomo, tendo tido apenas o ponto de vista “interno”. Concomitantemente, uma outra pessoa com ponto de vista “externo” ainda contempla todos os resultados possíveis. A interpretação não depende dos dados.

A persistência dos dois resultados na interpretação de Everett é frequentemente descrita como dois mundos diferentes que se propagam à frente e independentemente no tempo: um no qual o átomo decaiu e outro no qual isso não ocorreu. Se a vida de um gato depende do resultado favorável ao decaimento, diz-se que nosso mundo divide-se em dois, um no qual o gato vive e outro no qual ele morre. (Estamos adotando o experimento do Gato de Schrödinger descrito no season-finale da 1ª Temporada, S01E16.  Estes são experimentos puramente hipotéticos — nenhum gato foi ferido). A questão crítica de por que experimentamos o mundo com os gatos 100% vivos ou mortos, e nunca uma mistura dos dois, foi deixada no ar por Everett como forma de exercício ao leitor.

Logo após completar sua tese de doutorado, Everett aventurou-se ao ir para Copenhagen e tentar explicar suas ideias para Niels  Bohr.  Ele falhou miseravelmente. Everett deixou o mundo acadêmico e nunca mais retornou. O mundo mal prestou atenção ao seu trabalho.

No entanto, os tempos mudaram. Em uma recente reunião de físicos quânticos, a Interpretação dos Muitos-Mundos recebeu mais votos do que a antiga interpretação de Copenhagen como retrato mais fiel dos pontos de vista dos participantes. Ainda assim, a física não é um concurso de popularidade. Aquelas eram opiniões pessoais, assim como a assertiva desembasada de Einstein a respeito dos dados. Para que o debate tenha real significado, deve haver uma predição na qual as duas interpretações diferem. Há alguma esperança de acharmos tais testes, contudo, não encontro um experimento específico que tenha sido desenvolvido. Permanece o fato de que, não importa o quão contrários sejam os pontos de vista de dois físicos acerca do assunto, eles ainda calcularão exatamente os mesmos resultados para os experimentos. Sem uma predição experimental na qual as duas interpretações divirjam, a briga é apenas uma guerra de palavras, não de física. Uma distinção sem diferença.

Exceto por um experimento. Escritores de ficção científica e físicos têm contemplado um intrépido experimento. O meio de distinção depende de o experimentador não temer aproximar-se do suicídio quântico – jogando uma roleta russa quântica. O observador dispara uma arma contra sua própria cabeça com uma chance de 50% de ser baleado contra uma chance de 50% de nada acontecer. Após muitas tentativas, o físico saberá se a Interpretação dos Muitos-Mundos prevalece sobre a outra, uma vez que não se pode experimentar um mundo em que você esteja morto. Os Muitos-Mundos predizem que, eventualmente, o observador viverá num mundo no qual ele sobreviveu ao jogo 100 vezes ou mais. Infelizmente, não teríamos como saber o resultado encontrado por nosso corajoso amigo e físico. Não haveria modo algum de o sobrevivente, se é que haveria um, nos contar.

Já fiz coisas estúpidas pela física…

…mas não vou servir de voluntário para o experimento do suicídio quântico. Ele viola os protocolos éticos que minha universidade adota para experimentos que envolvam humanos.

Na Interpretação dos Muitos-Mundos, algumas medidas são capazes de englobar um número infinito de estados finais, ou como Sheldon assim o caracteriza: um infinito número de Sheldons em um infinito número de universos. Felizmente para nós, o número de Sheldons não é apenas um infinito comum, e sim um número maior ainda de Sheldons denominado infinito incontável.

(Cobertura completa: Sou um novato nesta profunda e sutil questão que os físicos já discutem há décadas. A história completa é muito mais complexa do que a explicada aqui. Se muito, o que fiz foi dar ao leitor uma noção das problemáticas sem – espero eu – ter falado nada verdadeiramente errado. Receberei de muito bom grado quaisquer e-mails e comentários a respeito de incorreções fatuais.)


Tradução feita por Hitomi a partir de texto extraído de The Big Blog Theory, de autoria de David Saltzberg, originalmente publicado em 5 de Outubro de 2009.