Tradução: “S03E18: The Pants Alternative (A Alternativa às Calças)”

Há mais ciência do que se parece em The Big Bang Theory. Literalmente. Os telespectadores desta noite sem dúvida ficaram perplexos com a presença de um pouco de geometria não euclidiana nos quadros brancos. Por que ela estava lá? E o que ela é?

A geometria não euclidiana nos quadros brancos desta noite... sem a obstrução e a distração dos personagens e da ação (retirado de um comercial da CBS.)

Primeiro, lembremos que o próprio Euclides desenvolveu sua geometria não-não-euclidiana em 300 A.C.. Ele começou com a suposição do mínimo possível e deixou para gerações de alunos do Ensino Fundamental a tarefa de provar todo o resto, que os triângulos têm 180 graus, e daí por diante. Como é típico na matemática, o jogo envolve usar a menor quantidade possível das mais elegantes postulações e deixar o resto às brilhantes derivações.

Todo aluno do Ensino Fundamental aprende os cinco axiomas de Euclides (brevemente listados, com a omissão de algumas legalidades):

  1. Quaisquer dois pontos podem ser ligados por um segmento de reta.
  2. Um segmento de reta pode ser estendido à uma reta infinita.
  3. Para qualquer segmento de reta, um círculo pode ser desenhado.
  4. Todos os ângulos retos são iguais.

Esses quatro parecem ser bem básicos. É difícil imaginar que qualquer um deles possa ser comprovado ou refutado e, por esse motivo, eles servem como pontos de partida óbvios. Mas Euclides adicionou um enfadonho “quinto axioma”:

  1. Para um ponto fora de uma reta, há exatamente uma reta que passe pelo ponto que nunca fará intereseção com a reta original.

Euclides era um cara esperto. Por que simplesmente não provou o “quinto axioma” com os quatro primeiros? Ele tentou. Durante 2.000 anos os matemáticos tentaram. Até mesmo Karl Friedrich Gauss. Sem chance. Não foi provado. Os matemáticos modernos sabem que nunca poderia ser provado com os quatro primeiros.

Então os matemáticos fizeram limões da limonada. Em 1826, Nicolai Lobachevsky disse: “Vamos presumir que não há apenas uma, e sim várias linhas paralelas como essa.”. Na década de 50 do século XIX, Bernhard Riemann disse: “Vamos presumir que não há linha alguma.”. O caos reinou. Sem o quinto axioma, nem mesmo podemos provar que todo triângulo tem 180 graus. Eis uma loucura maior ainda: adotar a versão do quinto axioma de Lobachevsky faz com que os triângulos tenham menos de 180 graus. A versão de Riemann faz com que tenham mais de 180. Mas que triângulos estranhos!

(Foi descoberto que tudo havia sido resolvido décadas antes por Gauss, e que ele havia deixado a resolução em sua mesa, sem nunca publicá-la. Um recado para os aspirantes a matemáticos: qualquer que seja o projeto no qual estão trabalhando, há uma boa chance de Gauss já tê-lo tentado antes.)

Algumas décadas mais tarde, na virada do século XX, Albert Einstein e alguns outros perceberam que há mais do que simples abstração no quinto axioma, e ela estava relacionada a uma real incerteza que temos a respeito do nosso próprio Universo. A incapacidade de provar o quinto axioma de Euclides é equivalente a não saber se vivemos em um espaço curvo ou plano. Não sabemos ao certo se triângulos extremamente grandes no nosso Universo têm exatamente 180 graus, ou então um pouco a mais ou a menos. Como é que um triângulo pode ter mais de 180 graus? Façamos uma viagem:

É possível, ao andar pelo globo, fazer um triângulo com três angulos retos. Este triângulo tem 270 graus, e não 180.

 

Vamos andar (e andar de trenó e nadar também) desde o Polo Norte, através do meridiano de Greenwich (longitude de 0 graus), passando pela Inglaterra até chegarmos à Linha do Equador. Vire à direita. É um ângulo de 90 graus. Caminhe até chegar à ilha de São Salvador, ao leste do país Equador, localizada na Linha do Equador no 90º meridiano (+90 graus). Agora vire novamente à direita (são outros 90 graus) e volte para o norte, passando por St. Louis, até o Polo Norte. Até agora, viramos duas vezes à direita, 90+90=180 graus. Mas aí chegamos ao Polo Norte novamente, atravessando o Canadá. Quando chegamos, descobrimos que completamos um triângulo. Viramos três vezes. Mas você está chegando em um ângulo reto em relação ao ponto de partida. O último ângulo tem 90 graus. Então fizemos um triângulo com ângulos de 90+90+90= 270, e não 180. Assim é a vida em um espaço curvado. Mesmo que você não enxergue a curvatura enquanto caminha, ela está presente.

Você pode fazer o mesmo em um espaço de Lobachevsky. Imagine andar por aí em cima de uma batata Pringles.

A geometria não euclidiana é o elemento chave das batatas Pringles.

É frequente que um pedaço da abstração matemática possa ser observado diretamente no nosso mundo físico. Nesse caso, nós apenas demoramos 2.000 anos para perceber isso.

Em uma fascinante sequência de 1965 ao livro Flatland (Planolândia), Dionys Burger relata em Sphereland a vida do neto de Um Quadrado, chamado de Um Hexágono. Um pesquisador na Planolândia fica consternado ao descobrir que a soma dos ângulos dos triângulos não resulta em 180 graus. Um Hexágono, descendente do sagaz herói da Planolândia, desperta seu amigo pesquisador para o fato de que os planolandeses, na verdade, habitam um espaço curvo. Como aconteceu na nossa viagem, a soma dos ângulos dos triângulos não resulta em 180 graus.

Até mesmo o nosso próprio espaço não-fictício e tridimensional pode ser curvo. Nós apenas não sabemos disso. Os astrofísicos medem os maiores triângulos que encontram e procuram pequenos desvios. Eles usam os raios da luz mais antiga no universo, as microondas de apenas 380.000 anos após o Big Bang. Até agora, todos os triângulos somaram 180 graus;no entanto, com um nível maior de precisão, talvez possamos descobrir, a qualquer momento, que vivemos em um espaço curvo. E isso não é problema. Só o que aconteceria é que todos os livros de geometria do Ensino Fundamental teriam de revisar o quinto axioma de Euclides. (É uma boa notícia para as editoras de livros escolares, que sempre querem colocar uma nova edição à venda. Mesmo que não haja nada de novo, percebi que, até mesmo nas minhas turmas, as editoras apenas mudam os números das questões de 3 em 3 anos e chamam isso de uma nova edição.)

É divertido, mas o que isso tem a ver com a série? Por que colocamos isso no quadro branco? Na verdade, é uma referência direta a uma fala que Sheldon tinha no roteiro. Tinha. Era uma versão provisória do roteiro.

Os roteiros passam por muitas revisões ao longo da semana de produção. Todos os dias os atores ensaiam e os escritores aprimoram o roteiro. A comédia parece funcionar da mesma maneira que a ciência experimental. Às vezes os roteiristas acham algo melhor. E nessa semana, após eu já ter enviado aos cenógrafos as equações e os diagramas, os roteiristas reescreveram as falas de Sheldon que tratavam do seu recolhimento ao espaço Riemanniano para relaxar.

Então os telespectadores nunca viram esse pedacinho da ciência. Os roteiristas o substituíram com algo ainda mais engraçado: o espaço Riemannian foi substituído pelo lugar preferido de Sheldon em Sim City. Mas talvez ainda haja alguma relação. Afinal de contas, quem é que já mediu os triângulos de Sheldonópolis?


Tradução feita por Hitomi a partir de texto extraído de The Big Blog Theory, de autoria de David Saltzberg, originalmente publicado em 22 de Março de 2010.

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